domingo, 30 de setembro de 2007

ENVELHECENDO COM GRAÇA

A partir deste ano, o Dia do Idoso é comemorado em 1º de outubro.
Portanto, desejo cumprimentar hoje todos os que, à semelhança deste cronista, pertencem à população de mais de dez milhões de idosos, em nosso país.

O que hoje proponho a todos os companheiros é que envelheçamos com graça.
Para muita gente, velhice e graça não combinam, porém entendo que envelhecimento e graça têm tudo a ver.

O plano desta crônica é definir graça, mostrando-lhe a riqueza semântica e teológica, apontar como é envelhecer sem graça e, finalmente, a maneira como a gente vive e envelhece com graça.

COMPREENDENDO A GRAÇA

A palavra graça oferece-nos grande riqueza semântica, bíblica e teológica.
Define-a o Aurélio como “favor dispensado ou recebido; mercê, benefício, dádiva”; ou como “benevolência, estima, boa vontade”; ou, ainda, como “beleza, elegância ou atrativo”. Graça pode ser ainda compreendida como “nome de batismo” ou “dom, virtude especial concedida por Deus”.[1]
Na língua latina, gratia tem diversas acepções, tais como “reconhecimento, agradecimento, amabilidade, favor, graça, obséquio, benefício, boa vontade, simpatia, complacência, benignidade, benevolência, estima, favor, crédito, alcançar favor de alguém, amizade, boa harmonia, encanto, beleza, sabor agradável”.[2]
Já no grego do NT, a palavra cháris significa “bondade, demonstrada a alguém, dom (dar graciosa e generosamente, ou o que é dado livre e graciosamente), graças, gratidão (1Co 15.57), boa vontade (atitude favorável em relação a alguém ou a algo, favor, boa vontade”.[3]
Graça é um dos conceitos centrais das Escrituras Sagradas, sendo que no NT a palavra ocorre 155 vezes, sendo 100 vezes nos escritos de Paulo. A graça diz respeito às “ações amorosas de Deus para com a criação, em particular a favor da humanidade. Graça é o transbordar generoso do amor de Deus Pai, por meio do Filho, Jesus Cristo”.[4]
Graça, ademais, “é ação imerecida de Deus para com o homem. É o fluir único da bondade e da generosidade de Deus”.[5]

É “dom gratuito, imerecido, inconcebível do amor de Deus ao homem, concedendo-lhe salvação e fazendo-o participante da vida divina”.[6]
Segundo o Novo Testamento, a graça é que nos garante a salvação[7], habilita-nos a sermos fiéis e a servir e fazer a vontade do Senhor[8]. É a graça que se aperfeiçoa em nossa fraqueza, superando a dor e inevitabilidade dos espinhos que nos ferem.[9]


COMO É VIVER E ENVELHECER SEM GRAÇA?

Vive e envelhece sem graça quem não aceita nem celebra a bondade de Deus que nos concede vida. Diferente do que fez e escreveu o Barão Ehrenfried, depois de um vôo arriscado: “Silente eu pondero. O vôo terminou. E Aquele cujas mãos nos sustentaram no ar, cuja graça acalmou a tempestade de neve e a noite, está agora comigo, e junta as minhas mãos em oração”.[10]
Vive e envelhece sem graça quem não tem boa vontade em relação à família e às pessoas em geral, reclamando de todos.
Vive e envelhece sem graça quem não sente nem demonstra amor e estima a ninguém.
Vive e envelhece sem graça quem não revela gratidão por grandes ou pequenos favores recebidos.
Vive e envelhece sem graça quem, porque não sorri nem se dispõe a ajudar os outros, não se faz amável.
Vive e envelhece sem graça quem não busca harmonia, mas semeia discórdia e dissensão entre as pessoas, especialmente os familiares.
Vive e envelhece sem graça quem não ama a vida, não se encanta com ela, e por isso não apresenta encanto e beleza.
Vive e envelhece sem graça quem não cultiva e acalanta boas lembranças do passado remoto ou recente. Gente que pensa nos espinhos, mas não consegue recordar a cor e o perfume das flores.
Vive e envelhece sem graça, sim, quem chora dos espinhos que lhe penetram a carne, mas não tem olhos de ver e coração de sentir a graça daquele que diz “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. (2Co 12.9).
Vive e envelhece sem graça quem passa pela vida, não deixa memórias de encanto, beleza e bondade e permite rugas na alma[11]. Por isso, quando parte desta vida, não deixa saudades.


COMO É O ENVELHECER FELIZ E COM GRAÇA?

Envelhecer feliz é viver a graça da jovialidade, da bondade e da simpatia. Pode ser que a beleza física já se tenha ido, nas asas da primavera. Mas lembra Emerson: “Beleza sem graça assemelha-se a vara e linha sem isca”.[12]
Envelhecer feliz é vivenciar, cada dia, a graça da gratidão. Gratidão por palavras e gestos, por coisas grandes ou pequenas.
Envelhecer feliz é experimentar rodo dia a graça da amabilidade. Para ser amado é preciso amar.
Envelhecer feliz e com graça é demonstrar a graça da alegria. Como é importante o cultivo da alegria! Diz a Bíblia que a alegria tem valor cosmético e terapêutico. Veja: “O coração alegre aformoseia o rosto.”(Provérbios 15.13). “O coração alegre é bom remédio” (Provérbios 17.22).
Envelhecer feliz é cultivar a graça das boas lembranças as boas coisas guardadas na mente. Há de se jogar fora lembranças ruins, negativas e amargas.
Envelhecer feliz é manter a graça do bom humor e do sorriso. Disse escritor americano que “o bom humor é a mão de Deus colocada no ombro de um mundo triste”.
Envelhecer feliz é celebrar a graça do amor que distribuímos aos que nos cercam, parentes, vizinhos, amigos, pequenos e grandes.
Envelhecer feliz é praticar a graça do perdão. Perdão aos filhos, às noras, aos genros, aos netos, aos amigos bem amigos, aos amigos não tão amigos ou que nos esqueceram. É mister desejar e enxergar a bondade de Deus na vida deles todos.
Envelhecer feliz é nos sentirmos seguros e tranqüilos nos braços protetores do Senhor, transportados por Ele. Lembra-se das palavras que Deus dirigiu por meio do profeta aos idosos que se encontravam na Babilônia? Diz Deus: “Mesmo na sua velhice, quando tiverem cabelos brancos, sou eu aquele que os susterá. Eu os fiz, e eu os levarei: eu os sustentarei e eu os salvarei” (Isaías 46.4).

Portanto, vivamos com graça, e deixemos o perfume de bondade por onde passarmos, seja na família, na igreja, nos ambientes de trabalho, no consultório médico, no salão de beleza. Em toda parte.

[1] Margarida dos ANJOS e Marina B. FERREIRA. Coord. e Ed. Novo Aurélio Século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 1999, verbete graça.
[2] António Gomes FERREIRA. Dicionário Latim-Português. Porto: Porto Editor, 1983, verbete gratia, gratiae.
[3] Johannes P. LOUW & Eugene A. NIDA. Editors. Greek-English Lexicon based on Semantic Domains. New YorK United Bible Societies, 1988, verbete cháris.
[4] Stanley J. GRENZ et al. Dicionário de Teologia: Edição de Bolso. São Paulo: Vida, 2001, verbete graça.
[5] Millard J. ERICKSON. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. 2. ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1995, verbete graça.
[6] Otto H. PESCH. Verbete grace in: Peter EICHER. Nouveau Dictionnaire de Théologie. 2.ed. .Paris: Les Éditions du Cerf, 1996.
[7] Ef 2.5.
[8] 1Co 15.10.
[9] 2Co 12.9.
[10] Barão EHRENFRIED Gunther von HUENEFELD in: John BATRLETT. Familiar Quotations. 11. ed. Boston: Little, Brown & Company, 1939, p. 1091.
[11] Vide a obra de Richard L. MORGAN. No Wrinkles on the Soul: A Book of Readings for Old Adults. Nashville, Tn: The Upper Room Books, 1990. Penso em traduzir e co-editar essa obra.
[12] Ralph Waldo EMERSON in: John BARTLETT. Op. cit.